quarta-feira, 9 de junho de 2010

ADIN - Objeto, Paradigma e Procedimento

Objeto da ADIN
São os atos que podem ser impugnados por meio da ação direta. Nos termos do art. 102, inciso I, alínea a da Constituição Federal/88, cabe ao STF julgar a constitucionalidade das leis e atos normativos federais e estaduais em face da própria constituição.

Pela lógica, não cabe ADIN de lei federal ou estadual em face da Constituição Estadual. Isto é importante para o fim de verificarmos, mais tarde, a questão da competência para julgamento da ADIN: se a inconstitucionalidade da lei é realizada em face da Constituição Federal, o órgão competente é o STF, se da Constituição Estadual, o órgão é o Tribunal de Justiça do Estado.

Veja que não há competência do STF para julgar a lei municipal em face da Constituição Federal.

Dúvida surge quanto à lei do Distrito Federal. Este ente, como vimos no bimestre passado, tem competência múltipla, podendo legislar tanto em assuntos municipais quanto estaduais. Poderia haver um controle de constitucionalidade em face das leis do Distrito Federal, ou seja, leis distritais? Pela Súmula 642 do STF, “não cabe ação direta de inconstitucionalidade de lei do Distrito Federal derivada de usa competência legislativa municipal”. Desta forma, se a lei foi criada por competência legislativa estadual (art. 25, da CF), é possível fazer o controle de constitucionalidade perante o STF. Se foi criada na competência legislativa municipal (art. 30, da CF), não é possível fazer este controle.

Consideram-se leis aqueles atos indicados no art. 59 da Constituição Federal, incluindo as Emendas à Constituição.

Os chamados atos normativos são aqueles atos dotados de generalidade e obrigatoriedade, mas que não emanam, necessariamente, do Poder Legislativo.

Nesta ordem de ideias, leis são espécies do gênero atos normativos. Ato normativo é um conceito mais amplo, que engloba as leis.

Desta forma, tecnicamente falando, as Medidas Provisórias são atos normativos, visto que possuem generalidade e obrigatoriedade, mas não necessitam do Poder Legislativo para sua validade. De qualquer forma, também se submetem ao controle de constitucionalidade.

Em relação às medidas provisórias, o STF já decidiu que não lhe cabe verificar o cumprimento dos requisitos de relevância e urgência, já que assunto meramente político (ADIN 2.213). Por outro lado, havendo a conversão da MP em lei, o STF exigia a notificação do legitimado ativo a fim de aditar o pedido. Caso não houvesse o aditamento, a ação era julgada extinta, sem julgamento do mérito. Hoje, o próprio STF realiza o aditamento do pedido.

Decretos são atos editados pelo Presidente da República, com o objetivo de regulamentar leis (decretos regulamentadores, que visam explicar ou exigir requisitos práticos para aplicação das leis), bem como para legislar assunto do seu exclusivo interesse (decretos autônomos, que não regulam lei alguma, previstos no art. 84, inciso VI, da Constituição Federal). Neste caso, os decretos que regulamentam as leis não podem ser objeto de controle de constitucionalidade, visto que haveria um controle de legalidade, a ser resolvido pelo STJ. Por outro lado, os decretos autônomos estão diretamente ligados à constituição, sem intermédio de uma lei, podendo, portanto, ser diretamente controlados por meio da ação direta.

Não são passíveis de controle de constitucionalidade as leis municipais, as leis pré-constitucionais, súmulas (tradicionais e vinculantes), normas constitucionais originárias, decretos regulamentadores (inconstitucionalidade reflexa), leis estrangeiras, projeto de lei e leis revogadas (ainda que no decorrer do processo).
Sempre que não for possível o controle por meio de ação, o meio de defesa deve ser utilizado (controle difuso ou caso concreto).

Paradigma
Além de analisarmos o objeto do controle de constitucionalidade, também é necessário verificar o paradigma, ou seja, em face do que se controla a constitucionalidade.

O controle feito com base na Constituição Estadual é realizado pelo Tribunal de Justiça do respectivo Estado. O controle realizado com base na Constituição Federal é feito pelo Supremo Tribunal Federal.

O paradigma, portanto, é essencial para verificarmos o órgão que realizará o controle, ou seja, o órgão que terá competência para analisar a ação direta.

Por outro lado, também é necessário verificarmos do que é composto este paradigma. A base já sabemos: a Constituição Federal. Mas, é possível verificarmos outros comandos normativos neste conjunto ou bloco, além da Constituição Federal?

De fato, não somente a Constituição Federal servirá de paradigma. Há um conjunto que podemos analisar como base na constitucionalidade das normas.

Sabemos que, além da constituição, existe uma parte introdutória, chamada Preâmbulo, e uma parte transitória, chamada Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Será que elas também podem servir de parâmetro para se declarar a inconstitucionalidade de normas?

Veja que o preâmbulo cita a “proteção de Deus” que, aparentemente, dirigiu todo o trabalho construtivo da constituição. Podemos dizer que, com base no preâmbulo, uma lei que determine o ensino religioso obrigatório nas escolas é constitucional? Eventual lei que exclua o ensino religioso seria inconstitucional?

No julgamento da ADIN 2.076, que questionava a obrigação de se colocar a “proteção de Deus” nas constituições estaduais (especificamente em relação ao estado do Acre), o Ministro Carlos Veloso decidiu que a norma insculpida no Preâmbulo não possui natureza impositiva e não obriga a repetição nas constituições estaduais. O Preâmbulo serve apenas como tema de hermenêutica, servindo para fins de interpretação das normas constitucionais, não podendo ser base do controle da constitucionalidade. Desta forma, o Preâmbulo está fora do bloco de constitucionalidade.

Entretanto, o ADCT possui várias normas, inclusive organizadas na forma de artigos e parágrafos, que obrigam sua observância. Veja-se, por exemplo, o art. 7.º, do ADCT, que determina ao Brasil (e não à União Federal) envidar esforços para a criação de um tribunal internacional de direitos humanos. Eventualmente, qualquer lei que preveja que a decisão proferida por este tribunal não tenha valor dentro do estado brasileiro, deverá ser declarada inconstitucional.

Assim, encontramos, ao lado da Constituição, o ADCT, que, juntos, foram um conjunto, ou bloco de constitucionalidade. Este bloco também é chamado de parâmetro de constitucionalidade, ou paradigma. O conceito de parametricidade é mais atual do que o de simples constitucionalidade, já que agrega outras normas além da constituição.
Além da Constituição e do ADCT, devemos verificar a questão das emendas constitucionais.

Antigamente, era costume as emendas apenas alterarem, incluírem ou excluírem alguns artigos na constituição, finalizando com o tradicional “esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação”. Atualmente, elas não só alteram, incluem e excluem artigos, mas também regulamentam a transição entre o regime anterior e o novo regime. É o caso da Emenda Constitucional n.º 19/1998, que alterou vários artigos envolvendo o funcionalismo público (artigos 1.º ao 24 da emenda), regulamentando as relações transitórias (artigos 25 ao 33 da emenda). A parte alteradora (artigos 1.º ao 24) não oferecem dificuldade, já que entram na própria constituição. A parte transitória, entretanto, não entra na constituição, fica como se fosse um ADCT da própria emenda, criando, portanto, mais um grupo de normas dentro do bloco de constitucionalidade. Veja, portanto, que, em regra, as EC não fazem parte do bloco de constitucionalidade, porque suas alterações modificam a própria constituição. Apenas as emendas que, além de modificarem a constituição, também regulam a transição, fazem parte do parâmetro constitucional. Sugere-se a visualização desta emenda, apenas para fins de verificação deste estudo. Clique aqui para abrir o site do Planalto.

Necessário salientar, ainda, que o texto do art. 5.º, parágrafo 3.º, da Constituição Federal também criou mais uma espécie que vai integrar o bloco de constitucionalidade. Trata-se dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, aprovados pelo mesmo procedimento das emendas constitucionais.

Este conceito de controle de convencionalidade, ou seja, das leis em face dos tratados e convenções, foi bem estudado pelo Professor Luís Flávio Gomes. Envolve a demonstração exata da decisão proferida pelo STF no Recurso Extraordinário 466.343/SP.

Alguns autores incluem, além destas normas, os princípios constitucionais, sejam os expressos ou implícitos. A título de exemplo, não está expresso, em lugar algum, a impossibilidade de alteração do art. 60 da CF/88, que trata das emendas constitucionais, incluindo as cláusulas pétreas. Desta forma, a proibição da dupla revisão faz parte de princípio de vedação de alteração constitucional, e portanto, deve ser observado, de forma a estar incluído no bloco de constitucionalidade.

Assim, podemos definir o bloco de constitucionalidade como sendo o conjunto de normas que servem de parâmetro ou de paradigma, e compõe-se da Constituição Federal, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, das Emendas Constitucionais, dos Tratados e Convenções de Direitos Humanos (TDH) e dos princípios constitucionais implícitos.

Não fazem parte deste bloco: o preâmbulo da constituição, as normas constitucionais revogadas, as normas de direitos suprapositivos.

Procedimento
Petição Inicial: é o modo como se iniciar qualquer ação, incluindo a ação direta de inconstitucionalidade. Nela deve constar expressamente a lei ou ato normativo impugnado e o paradigma de controle. Uma petição mal feita, contraditória, ou assinada por quem não tem legitimidade é chamada de inepta, e são liminarmente indeferidas. Não tem sido admitido o litisconsórcio, visto que se trata de um processo objetivo.

Procuração: deve ser juntada com a inicial, com poderes específicos para propor a ADIN. Somente os partidos políticos, as confederações sindicais e as entidades de classe de âmbito nacional precisam juntar procuração. Embora os demais legitimados possuam capacidade postulatória, podem transferir, por meio de procuração, este poder a um advogado, que assinará a inicial e obrigatoriamente apresentará a procuração.

Pedido de informações: após proposta a inicial (distribuída perante o STF), é sorteado um ministro, chamado “relator”, que receberá a inicial, caso esteja em ordem, e requisitará informações do órgão ou autoridade do qual emanou a lei, no prazo de 30 (trinta) dias.

Impedimento: é possível que haja impedimento, quando o relator trabalhou no caso como Advogado-Geral da União, Procurador-Geral da República ou qualquer legitimado. Lembre-se que o Ministro Dias Toffoli foi Advogado-Geral da União antes de ser ministro. Nos processos de ADIN que tenha se manifestado como AGU não pode votar ou ser relator.

Defesa da constitucionalidade: apresentada as informações, o Advogado-Geral da União (cargo atualmente ocupado por Luis Inácio Lucena Adams) defenderá a constitucionalidade da lei, alegando, no prazo de até 15 (quinze) dias, todos os motivos possíveis que demonstrem a compatibilidade entre a lei e o paradigma (art. 103, § 3.º, Constituição Federal/88).

Manifestação do Ministério Público: Após a defesa da lei, o chefe do Ministério Público Federal, chamado Procurador-Geral da República (cargo atualmente ocupado por Roberto Gurgel) se manifestará, também no prazo de 15 (quinze) dias.

Instrução do feito: após as manifestações, o relator apreciará os autos, podendo, em havendo necessidade, requisitar informações adicionais, designar audiências públicas, ouvir pessoas com experiência sobre o assunto, nomear perito, solicitar informações aos Tribunais Superiores, Tribunais Estaduais e Tribunais Federais acerca da aplicação da norma.

Medida Cautelar: a análise do pedido de cautelar também é competência do STF (art. 102, I, “p”, CF/88). Para seu requerimento, deve-se provar o fumus boni juris e o periculum in mora. A medida cautelar funciona como uma decisão definitiva, mas na verdade é provisória, e deve obrigatoriamente ser publicada após 10 (dez) dias da decisão. Há regras para os efeitos da cautelar, sendo os efeitos erga omnes e, em regra ex nunc.

Intervenção de Terceiros: não é admitido no processo de ADIN. Em um processo comum, é possível que terceiros tomem participação no feito, opondo-se ou colaborando com as partes do andamento do processo. Trata-se de um pedido efetuado pelo terceiro, que solicitará a participação no processo, já que possui interesse jurídico na resolução da causa. No processo de ADIN, esta interferência é vedada.

Julgamento: terminada a instrução do processo, o relator pedirá data para julgamento, enviando cópia do seu relatório para todos os demais ministros. Chegada a data, estando presentes pelo menos 8 (oito) ministros, o relator lê o relatório e o seu voto. Segue-se a manifestação dos ministros, que podem simplesmente acompanhar o relatório ou divergirem, quando deverão manifestar-se acerca dos motivos que levam à se opor ao voto do relator. Havendo necessidade, o ministro pode pedir vista do processo a fim de estudá-lo melhor, o que leva à suspensão do julgamento. Não havendo a interrupção, prossegue-se o julgamento, devendo haver votação de pelo menos 6 ministros no mesmo sentido para se declarar a inconstitucionalidade da norma (maioria absoluta, conforme determinação contida no art. 97 da CF/88). Se não chegar aos 6 votos, suspende-se a sessão para um próximo dia, quando deverá prosseguir o julgamento.

A decisão final é irrecorrível, já que proferida pela mais alta corte do estado brasileiro. Tem-se aceito, entretanto, os embargos de declaração, que visam esclarecer a decisão, retirando uma omissão, uma obscuridade ou uma contradição.

Amicus Curiae
Embora seja vedada a participação de terceiro, o relator poderá solicitar a manifestação do amicus curiae.

Tecnicamente falando, portanto, ninguém poderá impor sua a participação em um processo de ADIN, já que existe vedação (art. 7.º da Lei 9.868/99), mas o ministro relator poderá determinar a presença do amicus curiae (art. 7.º, § 2.º, da Lei 9.868/99), que desempenhará “o importante papel de demonstrar as repercussões, diretas e indiretas, que a eventual declaração de inconstitucionalidade pode suscitar, ainda mais na esfera da fiscalização abstrata de normas, cujas implicações políticas, sociais, econômicas, jurídicas e culturais são de irrecusável importância e de inquestionável significado" (ADIN 2.130, Celso de Mello).

Desta forma, o amicus curiae deve demonstrar experiência e autoridade no assunto em questão, que possam auxiliar os ministros no julgamento da ADIN.

Houve, por exemplo, participação do amicus curiae na ADIN 3.510, proposta pelo Procurador-Geral da República contra o Presidente da República, que julgou a possibilidade de utilização de células tronco para fins científicos e terapêuticos. No caso, participaram como amici curiae a CNBB, a MOVITAE (Movimento em Prol da Vida).

Para se efetivar a participação do amicus curiae, é necessária sua admissão pelo relator, em uma decisão que não cabe recurso. A participação se dá por meio de cadastro de requerimento do interessado (tecnicamente falando não é petição, já que é vedada a participação de interessados - trata-se, em verdade, de mero requerimento). Qualquer requerimento realizado depois do relatório do ministro relator tem se entendido como intempestivo, e deve ser rejeitado liminarmente (sem qualquer instrução).
Tem-se entendido como direito do amicus curiae: apresentar sustentação oral (15 minutos) e apresentar memoriais (parecer escrito).

Efeitos da Decisão
A ADIN possui caráter dúplice ou ambivalente. Isto está demonstrado no art. 24 da Lei 9.868/99, que diz que, declarada a inconstitucionalidade, julga-se procedente a ADIN e improcedente da ADC. Se não for reconhecida a inconstitucionalidade, julga-se improcedente a ADIN e procedente a ADC.

Quando o STF julga procedente o pedido realizado em uma ADIN, ele declara a lei inconstitucional. Se ele julga improcedente o pedido, ele automaticamente declara a lei constitucional, sem necessidade de se impetrar uma Ação Declaratória de Constitucionalidade - ADC. Aliás, é impossível nova propositura de ADIN ou de uma ADC, visto que se trata de matéria julgada.

Na questão subjetiva, a decisão atinge todos (efeito erga omnes). Não há como se alterar este efeito, para atingir apenas as partes do processo, já que não existem partes no controle concentrado.

Como regra no direito brasileiro, a decisão de inconstitucionalidade possui efeitos retroativos (ex tunc). Desta forma, qualquer ato baseado na norma declarada inconstitucional deve ser desfeito. Imagine um preso declarado culpado com base em uma lei declarada inconstitucional. Sua soltura poderá ser feita pelo próprio juiz, ou de forma provocada, seja por meio de habeas corpus (caso esteja cumprindo pena) ou por meio de revisão criminal (após o cumprimento da pena).

Este efeito, entretanto, pode ser alterado por meio da modulação temporal, previsto no art. 27 da Lei 9.868/99, desde que devidamente votado pelos ministros do STF (além de votarem a inconstitucionalidade da norma, devem votar os efeitos, caso algum dos ministros requeria a modulação temporal). A modulação se dá na forma ex nunc (sem efeitos retroativos, mas a partir da decisão) ou pro futuro (ou prospectivo, sem efeitos retroativos, e com efeitos determinados a partir de uma data futura).

A decisão ainda possui efeitos vinculantes, já que vincula o Poder Judiciário (tanto os juízes quanto os tribunais) e o Poder Executivo, nas esferas federal, estadual e municipal. Não vincula o Poder Legislativo, já que este é a representação do povo, sendo livre para nova edição de lei, ou alteração da constituição (alteração do paradigma), com posterior reedição da lei dita inconstitucional.
Existindo processos que tratam de casos concretos correlatos à matéria da ADIN, sem julgamento, o juiz é obrigado a respeitar a decisão do STF. Caso já tenha havido trânsito em julgado da decisão, é possível a ação rescisória até 2 anos após o trânsito.

É possível ainda verificar o efeito repristinatório. Ao se declarar uma lei inconstitucional, declara-se a sua nulidade. Se a lei é nula, nenhum efeito gera, devendo ser anulado inclusive o efeito revogatório de eventual lei anterior. Desta forma, a lei anterior revogada pela lei declarada inconstitucional volta a viger como se nunca tivesse sido revogada.