segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Paternidade e seus aspectos registral, socioafetivo e biológico: A viabilidade jurídica de seus desmembramentos e os efeitos jurídicos decorrentes


Carlos Brandão Ildefonso SilvaEspecialista em Direito de Família e Sucessões.
Professor do Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix.
Advogado Militante

Luciana Calado Pena
Especialista em Direito Processual.
Professora do Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix.
Advogada Militante.

INTRODUÇÃO

 
Os filhos havidos fora do casamento já foram nomeados "espúrios", não podendo ser reconhecidos, ficando o pai, portanto, isento de responsabilidade quanto a eles (art.358/16).

 
A Constituição Federal de 1988 igualou todos os filhos, determinando, no artigo 227, § 6º, que os filhos havidos ou não no casamento ou por adoção terão os mesmos direitos. Assim, dentro da mudança de paradigmas iniciada após a promulgação da Carta Constitucional, fica clara a igualdade jurídica estabelecida entre a filiação sanguínea e as formas de filiação afetiva, qual seja, como por exemplo, a filiação por adoção.

 
Com o advento da determinação da filiação através da realização do exame de DNA e, posteriormente, com a sua popularização no âmbito das ações judiciais de investigação de paternidade, os muitos "filhos sem pai" tiveram uma resposta imediata às suas demandas. Estas crianças, anteriormente, tinham que passar por uma ação de investigação de paternidade definida por indícios, que excluía a paternidade caso fosse demonstrado que a mãe teve intimidades com outros homens no período da concepção.

 
O exame de DNA foi, sem dúvida, uma grande vitória. Contudo, mais uma vez o direito é chamado a responder uma nova questão: não basta a certeza biológica da paternidade. É necessário observar o efetivo exercício da paternidade, apenas alcançado com a socioafetividade. Existem, assim, os filhos que permaneciam e permanecem com a certeza da paternidade biológica e registral, mas sem a paternidade afetiva, uma vez que o resultado da investigação de paternidade não inseriu o pai, no aspecto afetivo/emocional, em suas vidas.

 
Por outro lado, há a chamada "adoção à brasileira", que pode ocorrer quando não existe o aspecto biológico, mas há a certeza socioafetiva e a cartorária.

 
Outros personagens deste complexo tecido social são os "filhos de criação". Estes podem não ter verdade biológica ou cartorária conhecida, mas têm a certeza socioafetiva a amparar-lhes.

 
Este emaranhado social faz existam decisões ora reconhecendo o vínculo sócioafetivo, ora prevalecendo a verdade biológica.

 
Estas são apenas algumas situações em que a paternidade, em todos os seus aspectos, é colocada à prova. Fica claro, portanto, a importância do estudo e da busca de parâmetros ou diretrizes a serem seguidas na análise do fato da paternidade.

II - FILIAÇÃO E PATERNIDADE

 
A filiação esteve por muito tempo envolta na necessidade da preservação da família tida como "legítima". Em razão disso, os filhos nascidos eram diferenciados em categorias: os advindos do matrimônio legalmente constituído eram tidos como legítimos, possuindo assim uma relação jurídica correlata à situação de fato, ligando aquele filho àquele pai, já que a paternidade era presumida nesse caso. Todos os outros nascidos fora de um matrimônio eram considerados de uma categoria inferior - os naturais - que recebiam rótulos conforme sua concepção: adulterinos, incestuosos, bastardos. Nesse caso o pai era sempre "incerto". A essa segunda categoria era negado qualquer tipo de direito, já que nosso ordenamento continha a proibição do reconhecimento destas crianças.

 
A valorização da família como lócus de desenvolvimento do indivíduo e alçar a solidariedade à posição de princípio constitucional, foi fundamental para uma nova concepção acerca da filiação em nosso ordenamento.

 
Hodiernamente, mesmo a doutrina tradicional reconhece a existência de efeitos jurídicos nas relações de afeto.

 
A semente da discussão no Brasil foi lançada por João Baptista Villela, que distinguiu a procriação da paternidade, e buscou no direito comparado a responsabilidade pela geração, diferenciando-a da responsabilidade social decorrente do status de pai.

 
A doutrina especializada moderna vem aprofundando o estudo do tema. Belmiro Pedro Welter assevera a existência das três verdades da perfilhação (formal, biológica e socioafetiva), sendo que a primeira teria sido banida da ordem jurídica pela unidade da filiação e pela certeza científica da paternidade. Da biológica e da socioafetiva decorreriam os mesmos direitos, em vista da igualdade jurídica constitucional. O autor enumera, ainda, situações de ocorrência da filiação socioafetiva.

 
Caio Mário assim se manifesta acerca do tema:

 
Nos estudos que envolvem a convivência familiar sobrepõe-se o binômio filiação-paternidade ou filiação-maternidade. Especificamente considerada, a filiação é a relação jurídica que liga o filho a seus pais. Estabelecendo-se entre pessoas das quais uma descende da outra é considerada como "filiação propriamente dita", quando visa o lado do filho; e, reversamente, encarada pelo lado do pai se chama "paternidade" e pelo da mãe "maternidade."
No esteio da mudança de paradigmas ocorrida na última década, o legislador pátrio foi obrigado a rever o conceito de família. Reconheceu-se também as entidades familiares constituídas pela união estável e pela comunidade monoparental (art. 226 e 227, CF/88), eis que fundadas, principalmente no afeto, resultando assim em uma nova concepção acerca da filiação e a paternidade.

 
Rodrigo da Cunha Pereira assim manifesta sobre o moderno entendimento do que seja a relação paterno filial:

 
Para que um filho verdadeiramente se torne filho, ele deve ser adotado pelos pais, tendo ou não vínculos de sangue que os vinculem. A filiação biológica não é nenhuma garantia da experiência da paternidade, da maternidade ou da verdadeira filiação. Portanto, é insuficiente a verdade biológica, pois a filiação é uma construção que abrange muito mais do que uma semelhança entre os DNA. Afinal, o que é essencial para a formação de alguém, para que possa tornar-se sujeito e capaz de estabelecer laço social, é que uma pessoa tenha, em seu imaginário, o lugar simbólico de pai e de mãe. A presença do pai ou da mãe biológicos não é nenhuma garantia de que a pessoa se estruturará como sujeito. O cumprimento de funções paterna e materna, por outro lado, é o que pode garantir uma estruturação biopsíquica saudável de alguém. Por isso, a família não é apenas um dado natural, genético ou biológico, mas cultural, insista-se.
Constata-se com isso que essa relação é o reflexo de um momento histórico, sendo que "a paternidade, em si mesma, não é um fato da natureza, mas um fato cultural."

 
Não obstante a filiação decorrer de um fato (nascimento), a "opção" pela paternidade incide na prática pelo genitor de um ato jurídico. Senão vejamos:

 
De uma parte, os atos lícitos, voluntários, a que a lei defere os efeitos almejados pelo agente. Tomemos como exemplo o reconhecimento de filho havido fora do casamento. Como tal ato é lícito, o ordenamento jurídico permite que os efeitos almejados pelo agente decorram do ato; dessa forma vão se estabelecer, entre pai e filho reconhecido, relações sucessórias, direito a alimentos, pátrio poder etc. A liceidade do procedimento vai permitir o alcance dos efeitos almejados pelo agente. A essa espécie de fato jurídico dá-se o nome de ato jurídico.
A compreensão da natureza da relação paterno-filial ser a prática de um ato jurídico gerador de conseqüências, realizada dentro de padrões culturais de uma sociedade em certo tempo, será determinante para a possibilidade de seu desmembramento.

 
Essa conformação diferenciada, alavancada pelo mudança de paradigmas ocorrida no direito de família, contribuiu para a modificação da realidade atual da relação paterno-filial, que pode ser analisada atualmente sob três aspectos: registral, socioafetivo e biológico, as quais são objeto de estudo do presente trabalho.

 
II.1 - Paternidade Registral

 
O Código Civil de 2002 estabelece que a filiação será comprovada através do registro de nascimento (art. 1.603), sendo necessário pontuar que, de uma forma geral, atualmente é essa a "verdade" que prevalece para todos os fins.

 
Para o registro, basta que o pai, munido da certidão de casamento e do documento de nascido vivo emitido pelo hospital no qual a criança nasceu, compareça ao Cartório de Registro das Pessoas Naturais e declare o nascimento de uma criança para se lavrar o respectivo assento, sendo tal reconhecimento irrevogável, conforme preceito estabelecido no artigo 1.610 do CC/02.

 
O já citado artigo 1.597 traz a presunção da filiação: o rebento é filho do casal, quando a criança é concebida na constância do casamento, fundada na probabilidade da prática do ato sexual pelo casal.

 
Resta evidente que tal presunção se fia no dever de fidelidade por parte da mulher, podendo em determinados casos atribuir o estado de pai a quem não o é. Maria Berenice Dias mostra com extrema sensibilidade as implicações na relação paterno-filial que podem advir dessa ficção criada pelo legislador nacional:

 
Ainda que por vedação constitucional não seja mais possível qualquer tratamento discriminatório com relação aos filhos, o Código Civil trata em capítulos diferentes os filhos havidos da relação de casamento e os havidos fora do casamento. O capítulo intitulado "Da filiação" (CC 1.596 a 1.606) cuida dos filhos nascidos na constância do matrimônio, enquanto os filhos havidos fora do casamento estão no capítulo "Do reconhecimento dos filhos" (CC 1.607 a 1.617). A diferenciação advém do fato de o legislador ainda fazer uso da visão sacralizada da família e da necessidade de sua preservação a qualquer preço, nem que para isso tenha de atribuir filhos a alguém, não por ser pai ou mãe, mas simplesmente para a mantença da estrutura familiar.
A importância atual do registro está na geração de uma gama de efeitos de ordem patrimonial e que por vezes, também é afetiva: dela decorrerá a obrigação de garantir todo o necessário para o desenvolvimento pleno do registrado (art. 227 CR/88).

 
Assim, quando o homem, munido da certidão de casamento e o registro de nascido vivo expedido pela maternidade, vai ao Cartório de Registro de Pessoas Naturais para registrar o nascido, será inserido neste registro o sobrenome deste homem, sua designação como pai, bem como a indicação dos nomes dos avós paternos e maternos. Em tempos de preponderância do princípio da dignidade da pessoa humana, é necessário registrar que o nome é aspecto inerente da personalidade do indivíduo, sendo tal direito conferido ao indivíduo como forma de lhe garantir uma existência plena.

 
Da prática desse ato acima narrado, sucederão vários desdobramentos no campo jurídico implicando em direitos e deveres para, agora, pai e filho.

 
Quanto à guarda do menor, será conferida àquele genitor que reconheceu a criança, e no caso de litígio, vigorará o princípio de que a criança deverá ficar sob os cuidados de quem possuir as melhores condições para tanto (princípio do melhor interesse da criança).

 
Também quanto à eventual pleito em ação de alimentos, será acionado o pai indicado no registro de nascimento que deverá cumprir com a obrigação alimentar, mesmo que esteja em trâmite negatória de paternidade ainda não decidida, uma vez que o registro de nascimento goza de fé pública (art. 1º LRP) e somente após a necessária averbação estará desobrigado, se for o caso, o pai registral.

 
Por fim, no campo da sucessão é estabelecida a ordem da vocação hereditária (art. 1.829 CC/02), pela qual os primeiros chamados a suceder serão os descendentes.

 
Oportuno mencionar que o registro de nascimento somente poderá ser invalidado se houver erro ou falsidade (art. 1.604). Contudo, ensina Maria Berenice Dias que "o impedimento à busca de estado contrário ao que consta do registro não pode obstaculizar o direito fundamental de vindicar a origem genética."

 
A assertiva apresentada pela Desembargadora não influi na prática difundida em nosso país de uma modalidade particular de adoção: a chamada adoção à brasileira. Através dela, genitores registram como filho próprio a criança nascida de outra pessoa. Nesse caso, há o entendimento de que tal registro não poderá ser invalidado, uma vez que feito de forma voluntária, sendo atribuídos ao menor os efeitos da teoria da aparência. Segundo este teoria, a posse do estado de filho.

 
Por fim, é necessário mencionar a adoção, pela qual através de um ato de vontade chancelado judicialmente, cria-se um vínculo jurídico, devidamente registrado e sem qualquer menção ao registro anterior de paternidade-filiação, à qual podem ser aplicados todos os efeitos anteriormente apontados.

 
II.2 - Paternidade Socioafetiva

 
Impulsionado pelas mudanças que a sociedade vem sofrendo, cada vez mais rápidas, é necessário registrar: o Direito, e especialmente o Direito de Família, tenta adequar-se a essa nova conformação, objetivando disciplinar o maior número possível de relações.

 
As transformações mais recentes por que passou a família, deixando de ser unidade de caráter econômico, social e religioso para se afirmar fundamentalmente como grupo de afetividade e companheirismo, imprimiram considerável reforço ao esvaziamento biológico da paternidade. Tanto mais quanto é certo que esse movimento evolutivo, transportando a família de uma idade institucionalista para uma idade eudemonista, ocorre em período de extraordinária floração da tecnologia biomédica.

 
Dentre essas alterações, a mais importante para o presente estudo é a mudança do foco das relações familiares, hoje o elo afetivo que ligam os indivíduos que compõem uma família, tem o mesmo valor que aquele estabelecido pelo ato notarial, em razão do princípio da solidariedade.

 
Especialmente, a relação paterno-filial passou a ser observada com maior cura, considerando a importância de que o indivíduo em formação cresça em uma família de qual natureza for ("legítima", monoparental, homoafetiva, ou formada por uma união estável), seja capaz de lhe garantir a felicidade.

 
Conforme mencionado por João Baptista Villela, o avanço tecnológico teve papel preponderante para as alterações refletidas na concepção moderna de "família", especialmente quanto à determinação da paternidade através do exame de DNA.

 
Aliado a isso, o princípio da dignidade da pessoa humana foi alçado à condição de direito fundamental do indivíduo, que, se quiser, pode buscar sua identidade genética, assim, "permanecem no ordenamento jurídico as filiações genética e afetiva, em vista dos princípios da igualdade, da proibição de discriminação, da convivência em família e da afetividade, direitos fundamentais de cidadania e dignidade da pessoa humana."

 
A filiação socioafetiva decorre precipuamente da vontade do indivíduo em devotar afeto à outra pessoa, a quem cuida como se seu filho fosse. É a famosa frase ouvida com freqüência: pai é quem cria. Nesse diapasão:

 
a adoção judicial; o filho de criação; a adoção à brasileira e o reconhecimento voluntário ou judicial da paternidade e/ou da maternidade. Nesses casos, é edificado o estado de filho afetivo (posse de estado de filho), na forma dos arts. 226, §§4º e 7º, 227, cabeço e §6º da Constituição Federal de 1988, e 1.593, 1.596, 1.597, V, 1.603 e 1.605, II, do Código Civil, cuja declaração de vontade torna-se irrevogável, salvo erro ou falsidade do registro de nascimento (art. 1.604 do CC).
A adoção é um dos institutos mais antigos do direito, primitivamente criado para perpetuar o culto doméstico daqueles que não tivessem filhos legítimos.

 
A adoção vem a ser o ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais, alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consangüíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa que, geralmente, lhe é estranha. Dá origem, portanto, a uma relação jurídica de parentesco civil entre adotante e adotado. É uma ficção legal que possibilita que se constitua entre o adotante e o adotado um laço de parentesco de 1º grau na linha reta.

 
Contudo, atualmente, em razão da compreensão da ocorrência da paternidade socioafetiva, a definição acima exposta já não basta. Da idéia de procurar crianças para casais que não possam ter filhos, o entendimento atual é de se buscar uma família para uma criança que não a tenha. "Hoje, adoção não é apenas um ato jurídico, de vontade, mas, principalmente, um nascimento emocional de afeto, de amor e de solidariedade, sendo essa família tão real como a que une o pai ao seu filho de sangue."

 
Cria um vínculo fictício (a adoção) de paternidade-maternidade-filiação entre pessoas estranhas, análogo ao que resulta da filiação biológica. Esse conceito persegue as razões legais e seus efeitos, mas representa somente uma face do instituto, conforme ressalta Waldyr Grysard. A adoção constitui um parentesco eletivo, pois decorre exclusivamente de um ato de vontade. A verdadeira paternidade funda-se no desejo de amar e ser amado, mas é incrível como a sociedade ainda não vê adoção como deve ser vista. Precisa ser justificada como razoável para reparar a falha de uma mulher que não pode ter filhos. Trata-se de modalidade de filiação construída no amor, na feliz expressão de Luiz Edson Fachin, gerando vínculo de parentesco por opção. A adoção consagra a paternidade socioafetiva, baseando-se não em fator biológico, mas em fator sociológico.

 
Nesse entendimento da preponderância do afeto na relação paterno filial, há, conforme enumerado, a filiação socioafetiva para o "filho de criação". Essa expressão designa casos nos quais uma família traz para conviver com seus membros uma criança que não é filho biológico. Geralmente, não há qualquer parentesco entre os pais afetivos e o infante.

 
Como tal situação não é chancelada pelo Poder Judiciário, é negado para essa criança qualquer direito: inclusão em plano de saúde, alimentos, direitos sucessórios, direitos presentes em relação aos irmãos que com ela foram criados. Em razão do princípio constitucional que veda o tratamento discriminatório entre filhos, a realidade do filho de criação necessita ser revista.

 
A partir do momento em que passou a vigorar o princípio da proteção integral a filiação não merece designações discriminatórias. A palavra filho não admite qualquer adjetivação. A identidade dos vínculos de filiação divorciou-se das verdades biológica, registral e jurídica. Sustenta Belmiro Welter que quem sempre foi chamado de "filho de criação", ou seja, aquela criança - normalmente carente - que passa a conviver no seio de uma família, ainda que sabendo da inexistência de vínculo biológico, merece desfrutar de todos os direitos atinentes à filiação. A pejorativa complementação "de criação" está mais que na hora de ser abolida.

 
Vê-se que hodiernamente os doutrinadores já têm nova compreensão dessa realidade. "É dizer, quando uma pessoa, constante e publicamente, tratou um filho como seu, quando o apresentou como tal em sua família e na sociedade, quando na qualidade de pai proveu sempre suas necessidades, sua manutenção e sua educação, é impossível não dizer que o reconheceu", necessário assim, sedimentar tal entendimento nos julgados.

 
Outra forma de filiação socioafetiva enumerada por Welter é a "adoção à brasileira". Por esta prática, o casal registra como seu filho biológico a criança concebida por outros pais. Mais uma vez, a condição social inferior da criança tende a contribuir para que isso ocorra, uma vez que, geralmente, é criança concebida por pais carentes.

 
Contudo, essa espécie de filiação socioafetiva provoca uma situação extremamente delicada: ciente da verdade de sua concepção, o filho pode desejar buscar sua história genética. Por outro lado, o registro só pode ser alterado no caso de erro ou falsidade (art. 1.604 CC/02).

 
O registro apenas poder ser invalidado se houver erro ou falsidade (CC 1.604). Porém, o impedimento à busca de estado contrário ao que consta do registro não pode obstaculizar o direito fundamental de vindicar a origem genética. Trata-se de direito imprescritível (ECA 27). A só existência do registro não pode limitar o exercício do direito de buscar, a qualquer tempo, o reconhecimento da paternidade (CC 1.614). Assim, mesmo quem tenha e esteja registrado como filho de alguém, não está inibido de intentar ação investigatória de paternidade para conhecer sua ascendência biológica, havendo somente a necessidade de proceder à citação do pai registral.

 
Mister registrar que a solução acima transcrita vale somente para o filho, não sendo possível ao pai que realizou o registro intentar ulterior anulatória de registro.

 
Por fim, o reconhecimento voluntário de paternidade e/ou maternidade figura como a quarta espécie de filiação socioafetiva.

 
A previsão para o reconhecimento encontra amparo no artigo 1.609 do Código Civil. Registre-se que mesmo que o reconhecimento esteja contido em testamento que tenha sido revogado, a parte relativa a ele se preserva para estabelecer a filiação.

 
Somente estas formas de reconhecimento são possíveis. Se, porventura, for utilizada alguma outra forma, servirá apenas como prova em ação de investigação de paternidade, não sendo possível sua utilização para o reconhecimento voluntário.

 
Nas espécies de filiação socioafetiva supra citadas observa-se que é fundamental a apresentação da posse de estado de filho, identificável por três aspectos: o filho é tratado como tal pelo pai e pela mãe; apresenta-se como membro da família e é reconhecido como tal pela opinião pública.

 
II.3 - Paternidade Biológica

 
Caio Mário leciona que a filiação é o centro do estudo do Direito de Família, e "através da verdade biológica, pai e filho buscam uma certa face de sua identidade, o primeiro sabendo-se perpetuado e o segundo conhecendo um pouco de si mesmo".

 
O avanço da tecnologia teve reflexo importante nesse estudo, especialmente se considerarmos que possibilitou uma nova reflexão sobre o que é ser pai: é aquele que contribui com material genético para a concepção? É aquele que cria? É quem registra? É o marido da mãe, em razão da presunção fictícia estabelecida pela lei? E quem é a mãe? A que concebe? Aquela que carrega a criança no ventre? A "dona" do óvulo? Aquela que cria? Todos esses são questionamentos que a doutrina busca responder hoje em dia.

 
Juntamente com essa mudança de conceito, não se pode olvidar do papel significativo que ganhou a prova pericial - exame de DNA - para determinação da paternidade biológica. Não são poucos os julgados que dão primazia à verdade "real" apontada pelo resultado do referido exame. Isso porque "ao conceder ao filho o direito imprescritível de buscar a verdade quanto à sua filiação, a Magna Carta e o ECA erigiram a verdade biológica da filiação como sendo a que deve ser buscada pela Justiça".

 
Alessandra Morais Alves, citando Salmo Raskin, demonstra a preponderância que tal prova ganhou:

 
Até o advento do Teste em DNA, não era possível garantir com absoluta certeza se um indivíduo era ou não filho biológico de um determinado casal. No entanto, com o advento das técnicas que analisam o DNA, este problema ficou definitivamente resolvido, já que agora é possível não só excluir os indivíduos falsamente acusados, mas também obter probabilidade de inclusão extremamente próximas de 100%. Ou seja, é possível, através do Teste em DNA, afirmar que um indivíduo é, com certeza, o progenitor de determinada pessoa, inclusive naqueles casos em que membros da família já faleceram.

 
Nesse sentido, a recusa para a realização espontânea do exame para averiguação da paternidade ordenado pelo juiz "poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame" (Súmula 301 do STJ e atualmente art. 232 do CC/02). Paulo Luiz Netto Lobo informa o retrocesso que tal posicionamento implicará na atual compreensão do que seja a paternidade:

 
O enunciado, aparentemente, procura ater-se à formação de prova, no campo processual, mas suas conseqüências vão além, atingindo o direito material e tornando tabula rasa a evolução antes demonstrada. Parte do lamentável equívoco de que a paternidade biológica é a única que importa, desconsiderando a mudança de paradigmas que se operou no direito brasileiro, em total desconhecimento de sua natureza socioafetiva. Se o exame de DNA concluir que A é genitor de B então a paternidade estaria definida. Por outro lado, induz o réu a produzir prova contra si mesmo, invertendo um princípio que resultou da evolução do direito e da emancipação do homem. Confunde investigação da paternidade com o direito da personalidade de conhecimento da origem genética. Cria desnecessariamente mais uma presunção no direito de família: a da confissão ficta ou da paternidade não provada. Não faz referência às demais provas indiciárias, que contribuam para o convencimento do juiz. Não ressalva o estado de filiação já constituído, cuja história de vida é desfeita em razão da presunção da paternidade biológica.
Por outro lado, em tempos de vigência do princípio da dignidade da pessoa humana, que abarca o direito ao conhecimento da origem genética como condição primordial para o pleno desenvolvimento da personalidade, não podemos olvidar do valor da filiação biológica:

 
Sendo toda a pessoa humana dotada de dignidade, essa proteção constitucional deve amparar o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, que é um dos atributos que compõem a realização integral do novo ser - consigo mesmo e com os outros, em sociedade - já, que se está a tratar da origem genética, fundante de todo ser humano.

 
Apresentadas as espécies de filiação socioafetiva na doutrina, mister verificar qual o posicionamento da jurisprudência em relação a cada uma.

 
III - ANÁLISE DE JURISPRUDÊNCIA

 
A evolução dos costumes da sociedade e seus reflexos no direito não ficam à margem da percepção dos julgadores. Por ser objeto da constante reflexão de especialistas, a jurisprudência é uma fonte de interpretação da lei, com a sua aplicação no caso concreto. Esclareça-se que os Desembargadores são independentes, e julgam segundo sua própria linha de pensamento. Alguns tribunais tendem a ser mais conservadores, caso do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, por exemplo, outros mais ousados, como os julgadores do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o que explica as diferentes decisões em cada um dos Estados.

 
Neste capítulo, busca-se demonstrar através de alguns julgados selecionados como a questão afeta à paternidade tem sido tratada pelo TJMG:

 
EMENTA. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE - DECISÃO ANTERIOR, TRANSITADA EM JULGADO, DANDO PELA IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO, POR FALTA DE PROVAS - ARGÜIÇÃO DE COISA JULGADA - REJEIÇÃO - A ação de investigação de paternidade, porque uma ação de estado, é daquelas onde não se materializa a coisa julgada. A segurança jurídica cede a valores mais altos, seja de o filho saber quem é o pai, seja o de que os registros públicos devem espelhar a verdade real. (TJMG. Agravo de Instrumento n.° 000.247.666-1/00. Agravante: José Domingos Pinto. Agravado: Isac Bruno Almeida. 1ªCCível. Relator Des. Francisco Lopes de Albuquerque. Data do Acórdão: 14.05.2002. Data da Publicação: 08.05.2002)
No caso em tela, buscava o agravante a reforma da decisão interlocutória do juízo de Primeiro Grau que rejeitou a preliminar de afronta à coisa julgada e determinou a realização de exame de DNA afim de determinação da paternidade. Alegava o agravante que tal decisão representava afronta à coisa julgada, vez que, anteriormente, em outra demanda com mesmas partes e mesma causa de pedir (Investigação de Paternidade c/c Alimentos), o pleito já havia sido julgado improcedente, à míngua de provas quanto à alegada paternidade do agravante em relação ao agravado.

 
A 1ª Câmara Cível negou provimento ao recurso, à unanimidade de votos, ao fundamento de tratar-se de ação de estado, sendo portanto imprescritível e não se materializando a coisa julgada. Arrematou sustentando que os registros públicos devem espelhar a realidade, sendo assim possível sua revisão. Ademais, sustentaram os julgadores que à época da prolação da primeira decisão ainda não existia o exame de DNA, fundamental para o caso ante a defesa apresentada pelo agravante fundada na exceptio plurium concubentium por parte da genitora do agravado, ou seja, à época, as provas acostadas aos autos por ele não foram suficientemente convincentes para o julgador.

 
O julgado acima apresentado demonstra a flexibilização por parte do Egrégio Tribunal de Justiça da coisa julgada, face à necessidade da busca da verdade biológica nas ações de investigação de paternidade.

 
Em comentários a este julgado, Luciano de Souza Godoy apresenta com clareza singular argumentos contundentes na defesa da decisão do Tribunal:

 
Aliado a este dispositivo (art. 16 do CC), pode-se afirmar que a Constituição Federal, no art. 1º, inciso III, ao dizer que a dignidade da pessoa humana constitui um dos pilares da República Federativa do Brasil, também acena no sentido de que qualquer indivíduo pode buscar sua identidade genética.
Enfim, pergunta-se: qual seria o limite da busca da verdade biológica nas relações de filiação? A meu ver, em uma construção teórica ousada, mas a qual não poderia me furtar, o limite seria própria dignidade da pessoa humana, que, em certas situações, há que ser protegida por meio da prevalência da verdade sócio-afetiva.

 
LUIZ EDSON FACHIN afirma que "a experiência do direito comparado mostra que as reformas, mesmo tomando a verdade biológica como ponto cardeal das mudanças que fizeram operar, souberam valorizar, ainda que em graus diferentes, a verdade sócio-afetiva, através da recuperação da noção da posse do estado de filho".

 
Nessa discussão de confronto e embate das duas verdades (biológica e sócio-afetiva), há que se preservar a dignidade da pessoa humana e atender sempre aos interesses superiores da criança.

 
Ressalte-se que o STJ já se manifestou conforme o entendimento acima esposado.

 
Contudo, a questão está longe de uma solução única. Existem duas correntes: uma que defende a possibilidade de se rediscutir a sentença na investigação de paternidade e outra que a afasta completamente.

 
A defesa da primeira corrente é feita com base no princípio da dignidade humana, no direito à identidade genética, afinal, "o estágio atual da ciência médica indica a imprescindibilidade da origem biológica para a prevenção de doenças, tornando-se matéria de saúde pública, a fortiori de interesse social", além das argumentações já alinhas acima.

 
A corrente contrária informa que a flexibilização da coisa julgada implicará em caos jurídico, uma vez que o avanço da tecnologia é e continuará a ser uma constante cada vez mais forte em nossa sociedade. Ademais, "se a prova não existia na época ou não estava disponível para ser produzida, não era exigível a sua produção, logo, era um pressuposto que na época que o ato se concretizou, não era necessário."

 
A solução mais adequada é apresentada por Adalgisa Wiedermann Chaves:

 
Por esta linha de raciocínio, seria inviável a fixação de norma taxativa de quando seria possível flexibilizar a coisa julgada, sendo necessário uma análise caso a caso, que é, de fato, o que vem ocorrendo. Contra tal entendimento tem-se um certo grau de incerteza jurídica, pois a parte que procurar a defesa do seu direito em Juízo não saberá ao certo o que esperar; isso, de fato, é uma contingência das relações pessoais, onde nada é tão matemático e fixo que se possa antever, com precisão, qual o posicionamento/entendimento que será seguido. A base dos inter-relacionamentos são as pessoas, e cada uma delas é única, dotada de atributos e qualidade próprios e distintos dos demais; logo, tal diversidade acarreta uma multiplicidade de possibilidades de relacionamentos interpessoais, que, por óbvio, necessitarão de composições distintas sempre que levadas ao Poder Judiciário.
O julgado abaixo é fruto da modernidade, reflexo da modificação dos costumes com a liberação sexual da mulher e a tentativa de fazer coincidir a verdade real com a verdade registral:

 
EMENTA. Apelação. Direito de Família. Ação de Investigação de Paternidade cumulada com retificação de registro de nascimento. Presunção de paternidade. Com os novos rumos do Direito de Família e as novas provas, que fornecem elevado grau de certeza, como o exame de DNA, faculta-se ao pai biológico o exercício da ação. Para reconhecimento de sua paternidade. Sentença reformada para julgar procedente a ação. (TJMG. Apelação Cível n.° 1.0024.02.679585-6/001. Comarca de Belo Horizonte. Apelante: Luiz Carlos Vicente de Paula. Apelado: Mauro Rodrigues. Interessado: Lorrayne Rodrigues. Relator Exmo Sr. Des. Jarbas Ladeira).
Trata-se de apelação contra sentença que julgou improcedentes os pedidos em ação de investigação de paternidade c/c retificação de registro, aforada pelo apelante.

 
Aduz ele que é pai de uma menor, fruto de um relacionamento que teve com mulher então casada com o apelado.

 
O Código Civil anterior estabelecia a presunção de que parter is est com o fito de preservar a qualquer custo a família "legítima". Ocorre que no caso em tela não há mais o que ser preservado, já que a mãe da menor vive com outro homem - o apelante, tendo abandonado o apelado logo após o nascimento da menor.

 
O apelante, devidamente resguardado pelo resultado positivo do exame de DNA realizado que lhe atribui a paternidade da menor, deseja incluir seu próprio patronímico ao nome da menina.

 
Ocorre que o pai registral não concorda com o petitório, eis que já estabeleceu laços afetivos fortes com a menor.

 
Restou claro nos autos que o pai biológico é quem mantinha relação afetiva mais próxima à menina, existindo ainda informação de que a mãe da menor já não mais vive com o pai registral, já estando inclusive separada deste e vivendo com aquele, já tendo outra filha o novo casal.

 
Ademais, no caso em tela não há mais família "legítima" a ser preservada pela presunção estabelecida pelo Código Civil, já que a mãe da menor vive com outro homem - o apelante, tendo abandonado o apelado logo após o nascimento da menor.

 
Como já mencionado, ser pai é um ato de vontade, é uma opção pelo amor gratuito ao semelhante, sem esperança de contrapartida. É isso que se vê na ementa supra.

 
Assim, temos que:

 
A filiação formal, ficção jurídica, mera presunção, foi banida do ordenamento jurídico brasileiro pela unidade da filiação e da certeza científica da paternidade e da maternidade, com a produção do exame genético em DNA. Permanecem no ordenamento jurídico as filiações genética e afetiva, em vista dos princípios da igualdade, da proibição de discriminação, da convivência em família e da afetividade, direitos fundamentais de cidadania e de dignidade da pessoa humana.
Conservador como já foi mencionado, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em uma ação de indenização por danos morais ajuizada pelos pais socioafetivos contra empresa culpada pela morte de duas crianças, julgou improcedente o pedido de pensão mensal, ao fundamento de que os autores não eram os "pais" da criança:

 
EMENTA: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - MORTE DE FILHO - AFOGAMENTO - NEGLIGÊNCIA - DANO MORAL - FIXAÇÃO CRITÉRIOS.

 - Age com negligência a empresa que, ciente de suas atividades de risco e da existência de poço em sua propriedade, não toma as providências devidas para impedir o acesso de pessoas estranhas.

- O valor da reparação relativa ao dano moral não deve constituir enriquecimento sem causa do ofendido, mas deve ser desestímulo à repetição da conduta danosa do ofensor.

 
- Apelação parcialmente provida.

 
A C Ó R D Ã O

 
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível Nº 2.0000.00.492644-5/000 (em conexão com a Apelação Cível Nº 2.0000.00.492643-8/000), da Comarca de PEDRO LEOPOLDO, sendo Apelante (s): GILDÁSIO PEREIRA DOS SANTOS E OUTRA e Apelado (a) (os) (as): HOLCIM BRASIL S.A. E OUTRA,

 
ACORDA, em Turma, a Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO.

 
Presidiu o julgamento o Desembargador ALBERTO VILAS BOAS e dele participaram os Desembargadores ROBERTO BORGES DE OLIVEIRA (Relator), ALBERTO ALUÍZIO PACHECO DE ANDRADE (Revisor) e PEREIRA DA SILVA (Vogal).

 
O voto proferido pelo Desembargador Relator foi acompanhado na íntegra pelos demais componentes da Turma Julgadora.

 
Versa o presente caso sobre pedido de indenização por danos morais e materiais contra uma empresa, por parte dos pais de dois menores: Paulo Henrique do Nascimento Moreira, de seis anos de idade, e de Cristian Luis dos Santos Vieira, de oito anos de idade. Ditos menores afogaram-se em um poço da referida empresa, no ano de 2001.

 
O juízo de Primeiro Grau da Comarca de Pedro Leopoldo julgou improcedentes os pedidos, ao que deu ensejo na interposição dos recursos de Apelação.

 
Os feitos foram julgados no Tribunal de Justiça por conexão, sendo que a empresa foi condenada a pagar os pais de Cristian indenização por danos morais, bem como pensão mensal até o limite de quando o menor completasse 65 anos, ou até o falecimento dos pais.

 
No caso do menor Paulo Henrique o Tribunal procedeu de forma diversa: condenou a empresa ao pagamento da indenização por danos morais, mas, negou o pagamento da pensão mensal, ao argumento de que Paulo não era filho do casal. É esse particular que merece comento no presente estudo.

 
Da leitura do inteiro teor do acórdão, verifica-se que os julgadores entenderam que Paulo era filho socioafetivo do casal Gildásio Pereira dos Santos e Vilma da Silva, chegando a citar doutrina para corroborar o entendimento e trecho de depoimento da testemunha, que confirmou a convivência do menor com o casal.

 
"Esclareço, desde já, que o menor, em que pese não ser filho dos Apelantes (fl. 37), residia com os mesmos, desde recém-nascido. Apesar dos argumentos da primeira Apelada, em sua contestação, entendo que os Apelantes têm legitimidade para o ajuizamento da ação".

 
(..)

 
"Conforme doutrina de Wilson Melo da Silva:

 
"Ao nosso ver, todos aqueles que, em tese, sofreram os danos morais têm o direito de reclamá-lo.

 
E, dentre os lesados, duas classes distintas se haveria de introduzir: a dos membros da família do ofendido (além do próprio ofendido) e a dos que fossem a ele ligados por laços de parentesco ou simplesmente afetivos.

 
Pessoas da família, segundo a concepção comum, são, sempre, além dos descendentes, ascendentes, cônjuge, irmãos, colaterais e afins.

 
Mas a família propriamente, no restrito sentido do lar, é composta apenas dos cônjuges, dos filhos e dos irmãos.

 
Em favor, portanto, apenas desses (pais relativamente aos filhos e vice versa; filhos relativamente aos pais; irmãos relativamente uns aos outros; os cônjuges entre si) haveria, sempre, uma presunção de dano moral, presunção juris tantum, em caso de ofensas a seus membros.

 
Não teriam necessidade de provar o dano moral, ressalvado, porém, a terceiros o direito de elidirem a presunção" (O Dano Moral e sua Reparação, ed. Forense, 3ª edição, p. 675).

 
Ora, não restam dúvidas de que os Apelantes, com quem o menor falecido viveu durante seus seis anos de vida, sofreram danos em razão de sua morte súbita. Aliás, a testemunha Maria Dorani Gomes Almeida foi taxativa ao afirmar que "... por morar no mesmo bairro em que residem os pais dos menores, e tomando conhecimento do desaparecimento destes, também passou a procurá-los, sendo que foram encontrados cerca de três dias após, no poço da CIMI-NAS (HOLCIM);..." (fl. 200). Resta demonstrado, portanto, que os Apelantes eram considerados pais do menor falecido.
Afirmam ainda os desembargadores que: "Competia às Apeladas fazerem prova de que os laços afetivos que uniam a vítima e os Apelantes estavam rompidos ou esgarçados, o que não se verificou. O fato de os Apelantes não serem os pais legítimos do menor não determina a falta de afetividade e ligação entre os mesmos".

 
Claro está que o Tribunal entendeu pela existência da paternidade socioafetiva de Gildásio e Vilma em relação à criança, sendo que condenou a empresa ao pagamento de indenização por dano moral nos mesmos moldes do outro casal. Contudo, negou a Gildásio e Vilma a pensão mensal ao argumento de que Paulo não era filho do casal.

 
Absolutamente incoerente e contraditória a posição do acórdão, com a devida venia. O argumento que garantiu o recebimento dos danos morais foi invertido para negar os danos materiais representados pela pensão mensal. Ora foi aplicado o critério da paternidade socioafetiva e ora o critério da paternidade registral/biológica.

 
Demonstra-se assim, mais uma vez, a importância do estudo do presente tema. Claro está que não obstante a lei ter sido aplicada, a justiça não foi feita. Além disso, é necessário repensar o conceito de paternidade, como se propõe.

 
Outro julgado que merece destaque é relativo a indenização por danos morais:

 
EMENTA - INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS - RELAÇÃO PATERNO-FILIAL - PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE. A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana. Deram provimento. (TJMG. Apelação Cível n.°408.550-5. Comarca de Belo Horizonte. Apelante: Alexandre Batista Fortes, menor púbere assistido por sua mãe. Apelado: Vicente de Paulo Ferro de Oliveira.
No caso supra, pretendia o filho receber indenização do seu pai por tê-lo abandonado, uma vez que tal abandono provocou nele - filho - danos psicopatológicos que o obrigam a tratamento há dez anos.

 
O pedido foi julgado improcedente em Primeira Instância, sendo que o então Tribunal de Alçada reformou a decisão dando provimento ao apelo, fundado no descumprimento do poder familiar, na afetividade e no princípio da dignidade da pessoa humana, fixando a indenização por danos civis no valor de duzentos salários mínimos. Contudo, no julgamento de Recurso Especial junto ao Superior Tribunal de Justiça foi afastada a possibilidade da indenização, por escapar "ao arbítrio do Judiciário obrigar alguém a amar, ou a manter um relacionamento afetivo".

 
Verifica-se assim que é questão tormentosa a da indenização por dano moral nas relações familiares, especialmente na relação paterno filial.

 
Os que a defendem, fundamentam que o "princípio da afetividade especializa, no campo das relações familiares, o macroprincípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, da Constituição Federal), que preside todas as relações jurídicas e submete o ordenamento jurídico nacional".

 
Os que a condenam, argumentam que a reparação não trará de volta o afeto, não faria com que o genitor arrependido buscasse a reaproximação com o filho, voltando a cumprir as obrigações inerentes ao poder familiar. Ao contrário, só vai contribuir para aumentar o afastamento entre pai e filho.

 
Ocorre que o este argumento não pode prosperar. Em sendo assim, nenhuma indenização por dano moral seria cabível, posto que é impossível o retorno ao status quo.

 
Por isso mesmo, talvez a melhor definição para esta questão seja "reparação" ao invés de "indenização", posto que o que se busca é amenizar a dor causada pelo agente e proporcionar situações capazes de amenizar o sofrimento que foi causado.

 
Ana Carolina Brochado Teixeira informa que "todo dano moral, por sua natureza, induz a uma compensação tendo em vista ser impossível recompor a situação nos moldes anteriores à prática do ato danoso".

 
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka ensina que:

 
A responsabilidade dos pais consiste principalmente em dar oportunidade ao desenvolvimento dos filhos, consiste principalmente em ajudá-los na construção da própria liberdade. Trata-se de uma inversão total, portanto, da idéia antiga e maximamente patriarcal de pátrio poder. Aqui, a compreensão baseada no conhecimento racional da natureza dos integrantes de uma família quer dizer que não há mais fundamento na prática da coisificação familiar.
Assim, com a determinação do pagamento da reparação, não se está "tabelando" o amor, mas apenas lembrando ao genitor ausente que a paternidade e a maternidade devem ser atos responsáveis, que têm como conseqüência o dever de cuidado.

 
Somente através do desdobramento da paternidade que poderemos conciliar o desejo do pai afetivo poder oferecer a oportunidade que a autora cita e todos os consectários dela decorrentes.

 
IV - A POSSIBILIDADE DE FRACIONAMENTO DA PATERNIDADE

 
Primeiramente cumpre esclarecer que a paternidade tratada no presente estudo é a genérica, incluindo no contexto tratar-se também da maternidade.

 
O exercício da paternidade implica, pela legislação vigente na prática de um ato jurídico: o registro da criança. Hodiernamente esse ato é também encarado como um fato cultural, de opção que uma pessoa faz ao desejar cuidar de outra.

 
Disso decorrem três situações possíveis:

 
  1.  a paternidade registral: A registra B, não cabendo aqui qualquer discussão se A é pai biológico de B ou não;
  2. a paternidade biológica: DNA atesta que A é filho de B, mesmo que não exista qualquer afetividade entre eles;
  3. a paternidade socioafetiva: A cria B como se fosse seu filho.

 
Dentro do plano acima, ainda existem os desdobramentos, quando há combinação de algumas situações, ou, a incidência de todas.

 
O que se pretende com o presente estudo é demonstrar que ante a evolução que a tecnologia trouxe para a sociedade, bem como a modificação dos costumes e avanço da ciência jurídica, com a valorização e proteção do afeto, do cuidado e da dignidade da pessoa, a valorização da família como lugar para desenvolvimento pleno do ser humano, o princípio da solidariedade a unir todos os indivíduos, é possível que a paternidade seja fracionada, implicando assim em vários desdobramentos jurídicos.

 
Atualmente há a preponderância para a valorização do resultado do exame de DNA acima de qualquer outra verdade. A questão está colocada como se o DNA resolvesse tudo. Mesmo quando o pai nem conhece o filho, nem quer conhecer nem jamais conhecerá, a decisão é no sentido de prevalecer a verdade demonstrada pelo DNA, e finge-se que a paternidade é isso, conforme restou demonstrado da jurisprudência comentada no capítulo anterior.

 
Em tais casos, se fixa a pensão, são regulamentadas as visitas e esse menor terá garantido o direito à sucessão. Mesmo que esse pai não exerça seu papel de pai afetivo, e simplesmente compareça com a necessária contribuição financeira, não há, hoje em dia, qualquer possibilidade de compensação pela falta de afeto por parte do genitor. Talvez, num futuro breve, haja a compensação pela falta de cuidado.

 
Por outro lado, entende-se que há a possibilidade de investigar meramente a origem genética, ou seja, ação de investigação de paternidade biológica ou ação de investigação de origem genética, mesmo que esse investigante já tenha um pai registral:

 
A nova vitalidade ao direito subjetivo em questão é a consagração do direito à revelação da ascendência genética paterna como direito fundamental, mais humanitário e personalista, e menos funcional ou instrumental, ainda, despatrimonializado, direito este que busca garantir à pessoa o estabelecimento da sua origem biológica como ponte para ascender ao status de filho e fundar sua ampla personalidade como pessoa humana, constituída de uma organização dinâmica a partir de características inatas que surgem no momento de sua concepção e que a acompanham por toda a vida.

 
O que se busca aqui é garantir o direito ao conhecimento da história individual, o conhecimento da própria origem:

 
A revelação da progenitura - tanto paterno quanto materna - é dado que identifica o ser humano, seja em nível de percepção individual ou particular (eu comigo mesmo), seja em um nível coletivo ou social (eu com os outros) integrando a sua existência e compondo a natureza de sua alma, identificando-se nos progenitores - segundo a idéia do personagem Jacobina - a alma exterior da pessoa humana.

 
A perda ou a não-descoberta da progenitura, por ser este dado fundante da individualidade humana, pode acarretar - nas palavras da Jacobina - a par da existência inteira, resultando na (de)formação ou má-formação do ser humano que se veja impedido, por fatores de ordem jurídica na ótica desta conferência, de conhecer sua historicidade, pessoal e ver-se inserido em uma ancestralidade.

 
Em tempos de doação de gametas e do avanço da tecnologia aplicada à medicina com o tratamento preditivo, o conhecimento da origem genética torna-se, por vezes, fundamental.

 
Entretanto, as ações fundadas nesta perspectiva seriam apenas para a pesquisa da origem genética, não sendo possível estender ao direito a alimentos ou sucessão.

 
Defende-se que a solução para casos como o da apelação 1.0024.02.679.585-6/001, em que o Tribunal julgou pela verdade biológica, definindo a paternidade em detrimento da relação afetiva existente com outro pai, é uma forma de desmembramento da paternidade.

 
Em princípio, dever-se-ia partir da idéia de afetividade e felicidade no seio familiar. Só num segundo momento é que se deveria caminhar para a regulamentação dos aspectos patrimoniais - e, ainda assim, sem exageros.

 
Nesse caso, deveria constar no registro da criança: pai biológico: A. Pai socioafetivo: B. Em decorrência disso, esse filho teria direito a alimentos e sucessão do pai socioafetivo.

 
Assim, em princípio, tendo o filho um pai verdadeiro, um pai socioafetivo, não haveria conseqüência jurídica ao pai biológico, que, na verdade, de pai nada tem, mas é mero doador de material genético, que sequer conhece ou quer conhecer o filho. Neste sentido:

 
É nesse contexto que se fala em "despatrimonialização" da família, ou seja, em abandono da estreita e unilateral visão do legislador de 1916, para dar guarida à "repersonalização" da família, ou seja, no resgate de todos os valores imateriais que devem existir no seio familiar e que são os efetivos responsáveis por sua manutenção. Entre eles estão: a afetividade, liberdade, diálogo, compreensão, carinho e toda característica que prestigie o mútuo respeito.

 
Questão tormentosa é a afeta à ação negatória de paternidade. O homem registra a criança e tempos depois descobre não ser ela sangue de seu sangue, e ajuíza feito perante o Poder Judiciário negando a paternidade até então exercida:

 
"Mas qual é a saída?", indagou Diogo de si para si, "depois de tanto tempo que minha mulher me traiu?" "E que tolo fui eu - aceitar como filho quem traz a seqüência genética de outro homem, aquele Miguel...". "Está bem, que já morreu e não quero tripudiar sobre seu cadáver, mas provavelmente não passava de um vulgar conquistador..."

(...)

 
- Mas Doutor, já faz tanto tempo... mais de trinta anos!

 
- Por favor, entenda! O que a lei está dizendo é que o seu direito de excluir a paternidade é... digamos ... - para tomar uma palavra do seu metiê - granítico. Isso mesmo: granítico! É um direito pétreo!, Ou ainda, ser quiser, um direito perpétuo! Dura tanto tempo quanto a vida. Até mesmo mais que a sua vida. Se o Sr. vier a faltar depois de aberto o processo (...) a sua filha, que é, de fato sua filha, e não filha de um vigarista qualquer, poderá continuar a ação até o fim e deixar sua memória de homem sério e honrado absolutamente limpa e imaculada!

 
No trecho acima transcrito da peça de teatro escrita pelo brilhante professor João Baptista, ante o resultado do DNA excluindo a paternidade de Diogo com relação a Marcelo, foi julgada procedente a demanda, e Marcelo foi excluído da ordem de vocação hereditária de Diogo com todas as outras, quiçá mais sérias, implicações:

 
Marcelo é excluído da herança. Helena torna-se herdeira única. O estado emocional de Marcelo está em frangalhos. Passa também a conviver com a idéia do suicídio. Já não fala com a irmã, sem contudo, ter perdido o afeto que sempre lhe devotou e que tinha sido cunhado em longos anos de convivência. Comendo à mesma mesa. Dormindo sob o mesmo teto. Praticando as mesmas travessuras. Seus sentimentos são contraditórios. "Como pode", pensa ele, "uma pessoa ser minha irmã inteira, por tantos anos, e de uma hora para outra passar a ser apenas meia-irmã? Pode alguém adormecer vinte, trinta, quarenta anos como filho e, um dia qualquer, despertar como estranho?

 
Atualmente a justiça apenas reconhece a procedência de negatória de paternidade como estes, em caso de existência de erro, dolo ou coação na declaração do registro. Não há qualquer indagação acerca de existência, ou não, de afetividade ligando aquela família. Assim, a paternidade restará excluída.

 
Ao revés, feito o DNA e ante o resultado negativo o Juiz há a indagação acima alinhada: houve erro? Dolo? Coação? Se não houve, o feito é julgado improcedente. Outra situação: o pai que não era biológico, a essa altura também deixou de ser o pai socioafetivo. Contudo, vai continuar sendo o pai registral, com todas as obrigações conseqüentes.

 
Pior ainda é quando há a afetividade, mas houve erro, dolo ou coação (a mulher enganou o pai, disse que o menino era filho dele. Depois se descobriu que o menino era filho de outro homem). Nesse caso, não fica afastada a hipótese do o juiz julgar procedente a investigatória de paternidade ajuizada pelo pai biológivo. Mesmo o pai socioafetivo amando o filho que não é seu biológico, mas sempre foi e continua sendo filho socioafetivo... Ora, o afeto deveria prevalecer, e junto com ele as obrigações de alimentos e sucessões.

 
Finalmente, há as ações negatórias de paternidade julgadas improcedentes ao fundamento de sempre ter havido socioafetividade entre o impugnante da paternidade e impugnado. Estas fazem sentido. É o caso exemplificado através da peça acima.

 
A verdadeira filiação, na mais moderna tendência do direito internacional, "só pode vingar no terreno da afetividade, da intensidade das relações que unem pais e filhos, independente da origem biológico-genética". Por isso, imponderável a idealização da diferença jurídica entre os filhos biológico e afetivo, porquanto são identificados como membros de uma família, os quais, perante a Constituição Federal de 1988, são iguais em direitos e obrigações. Há idêntica criação, educação, destinação de carinho e amor entre os filhos sociológicos e biológicos, não se devendo conferir efeitos jurídicos desiguais em relação a quem vive em igualdade de condições, sob pena de revisitar a odiosa discriminação, o que seria, sem dúvida, inconstitucional, à medida que toda a filiação deve ser afetiva, sendo "necessário o ato de aceitação da criança como filho para que exista realmente essa vinculação afetiva entre mãe e filho ou pai e filho".

 
A possibilidade e os fundamentos para o desmembramento da paternidade foram antevistos por João Baptista Villela:

 
Foi, entretanto, curiosamente nos quadros da decadência teórica da exceptio plurium concumbentium que se pode melhor precisar a natureza das responsabilidades, que se achavam então envolvidas. Uma coisa, com efeito, é a responsabilidade pelo ato da coabitação sexual, de que pode resultar a gravidez. Outra, bem diversa, é a decorrente do estatuto da paternidade.

 
(...)

 
O direito alemão não conhece a possibilidade de dupla paternidade, mas desenvolveu, talvez como nenhum outro, o conceito de uma paternidade exclusivamente patrimonial, ali chamada expressivamente de zahlvatcrschaft ou giltvaterschuft, zahlvaterschaft contém em si, agregada à de paternidade, a idéia do verbo zahlen, que significa pagar, e giltvaterschaft traduz o verbo gelten, valor, em mesma associação. Portanto: zahlvaterschaft ou giltvaterschaft querem dizer uma como que paternidade econômica; uma paternidade só para certos fins ou um estado que vale como paternidade, sem o ser efetivamente. A estes conceitos ser opõe a Istvaterschaft, ou seja, a paternidade tout court: de ist, do verbo essen, ser. Logo: uma paternidade não limitada a tais ou quais fins, mas uma paternidade que simplesmente o é.

 
(...) Não estão aí claramente delimitadas a responsabilidade civil pela geração - resolúvel em prestações de natureza econômica - e a responsabilidade social, decorrente do status de pai?
Em um mundo cada vez mais egoísta e individualista, com o império da filosofia eudemonista a qualquer custo, como nunca ocorrido antes, é imprescindível valorizar a afetividade e a solidariedade. Assistimos estarrecidos às barbáries documentadas pelos canais de comunicação e nos perguntamos: por que? Sem dúvida, por falta de afeto.

 
Assim, torna-se imprescindível valorizar sobremaneira toda e qualquer atitude fundada no afeto.


 
V - CONCLUSÃO

 
Diante do contexto atual, não restam dúvidas de que a paternidade deve ser repensada, especialmente, sob a ótica da afetividade e da solidariedade, que norteiam o direito de família nessa última década.

 
O enfrentamento das situações reais pontuadas pelos julgados comentados demonstra o quão importante é tratar sobre o desmembramento da paternidade para abarcar tais situações.

 
De acordo com o caso, a paternidade biológica (que sequer deveria ser chamada paternidade) poderá representar mera informação genética. Nesses casos ela não deveria ter o desdobramento de dar ensejo ao direito de alimentos e sucessão. Esse filho deveria sim ter direito a alimentos e sucessão do pai que sempre o criou e o amou, que o elegeu como filho, e dele cuidou com todo o desvelo e amor, indiferentemente de este pai ser biológico ou, e mesmo que este pai tenha menos recursos financeiros que o pai biológico, que nem nunca viu ou sequer ser importou com o filho.

 
A idéia é romper com o conceito de que pai é o doador de material genético, e de que doador de material genético deve pagar alimentos e deixar herança.

 
Pai é quem ama, e quem ama e é amado deve arcar com as conseqüências desse seu amor, conseqüências que podem ser consideradas pequenas e sem importância.

 
Quanto ao pai registral, entende-se que deverá ser buscado, no caso concreto, se este registro corresponde a algum aspecto real, palpável e relevante para a pessoa, que é o foco do ordenamento jurídico atual.

 
Se a paternidade registral corresponde à paternidade socioafetiva, a resposta será positiva, e desta paternidade deverão decorrer todos os efeitos legais.

 
Se a paternidade registral levar em consideração somente a origem genética de uma criança, por exemplo, em caso de investigação de paternidade na qual foi realizado exame de DNA positivo, em que o pai (mero doador de material genético) jamais teve qualquer contato com o menor, e este menor não tiver qualquer outra referência paterna, não restará outra alternativa senão a de outorgar efeitos (alimentos, sucessão etc) a esta paternidade meramente cartorária e biológica.

 
A paternidade registral pode, também, não coincidir nem com a verdade biológica, nem com a verdade socioafetiva: é o caso, por exemplo, do homem que, por razões que são irrelevantes para o presente trabalho, "adota à brasileira" criança que sabe não ser filha sua, e com a qual não desenvolveu laços afetivos. Neste caso, esta relação é meramente cartorária. Não deve ser excluído o direito deste filho buscar sua origem genética, e entende-se que esta paternidade meramente registral apenas deverá ter conseqüências jurídicas (alimentos e sucessão) no caso de inexistência de verdadeira paternidade a amparar este filho.